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Cinemática do Trauma

No Brasil e na quase totalidade dos outros países, o trauma é a principal causa de morte do indivíduo jovem. Mais de 120.000 brasileiros...

No Brasil e na quase totalidade dos outros países, o trauma é a principal causa de morte do indivíduo jovem. Mais de 120.000 brasileiros morrem por ano em consequência de acidentes e estima-se de quatro a cinco vítimas com sequelas permanentes para cada óbito. 

Frente a esta realidade, é fundamental que se desenvolvam serviços de atendimento pré-hospitalar eficazes em analisar a cena do acidente observando os mecanismos que produziram o trauma. Dessa forma é possível detectar precocemente as lesões potencialmente fatais e iniciar o tratamento da vítima da forma mais rápida possível, aumentando as chances de sobrevida. 

Mais de 90% das lesões de qualquer vítima de acidente podem ser sugeridas através da observação e interpretação dos mecanismos que as produziram.

Definição
Denominamos cinemática do trauma o processo de avaliação da cena do acidente, para determinar as lesões resultantes das forças e movimentos envolvidos. No momento em que a equipe de socorro chega à cena do acidente e observa os danos no veículo, a distância de frenagem, a posição das vítimas, se usavam cinto de segurança, suas lesões aparentes etc., está analisando a cinemática do trauma. O conjunto dessas informações permite identificar lesões inaparentes e estimar a gravidade do estado da vítima.

Cada vítima de trauma aparenta ter próprias e exclusivas lesões, mas muitas possuem traumatismos semelhantes, conforme as forças envolvidas no acidente. Analisando os mecanismos que produziram os ferimentos e entendendo-os, os socorristas ficam mais aptos para diagnosticar ferimentos ocultos, ou pelo menos para suspeitar das lesões. Saber onde procurar lesões é tão importante quanto saber o que fazer após encontrá-las. O conceito da cinemática do trauma baseia-se em princípios fundamentais da física.

Princípios Básicos da Física
A energia se apresenta em cinco formas básicas: (1) mecânica ou cinética, (2) térmica, (3) química, (4) elétrica, e (5) radiação. A energia mecânica (movimento) permanece como o agente de lesão mais comum e é o agente dos acidentes automobilísticos, quedas, traumatismos penetrantes e por explosão.

A cinemática do trauma estuda a transferência de energia de uma fonte externa para o corpo da vítima. O entendimento do mecanismo de lesão reduz a possibilidade do Socorrista não reconhecer uma lesão grave e permite que seja desenvolvida tecnologia de proteção. Para possibilitar este estudo é necessário que o Socorrista conheça algumas leis básicas da física:

- Lei da Conservação da Energia: a energia não pode ser criada nem destruída, mas sua forma pode ser modificada.

- Primeira Lei de Newton: um corpo em movimento ou em repouso permanece neste estado até que uma força externa atue sobre ele.

- Segunda Lei de Newton: força é igual a massa (peso) do objeto multiplicada por sua aceleração.

- Energia Cinética: é a energia do movimento. É igual à metade da massa multiplicada pela velocidade elevada ao quadrado.

- Troca de Energia: quando dois corpos se movimentando em velocidades diferentes interagem, as velocidades tendem a se igualarem. A rapidez com que um corpo perde velocidade para o outro depende da densidade (número de partículas por volume) e da área de contato entre os corpos. Quanto maior a densidade do maior a troca de energia. Por exemplo, o osso é mais denso que o fígado e este é mais denso que o pulmão.

- Efeito de Cavitação: quando um objeto em movimento colide contra o corpo humano ou quando este é lançado contra um objeto parado ocorre uma transferência de energia. Os tecidos humanos são deslocados violentamente para longe do local do impacto, criando uma cavidade. 

A cavidade pode ser:

Temporária
não é visualizada na avaliação da vítima. Surge no momento do impacto, mas a seguir os tecidos conservam sua elasticidade e retornam a sua condição inicial. Ex: soco desferido no abdome - pode não deixar marcas externas visíveis após deformar profundamente a parede abdominal, inclusive atingindo órgãos internos.

Definitiva
a deformidade é visível após o impacto. É causada por compressão, estiramento e ruptura dos tecidos. Um projétil de arma de fogo que atinge o corpo humano provoca além da cavidade definitiva, a temporária causada pela compressão dos tecidos ao redor da via de penetração. Isto tem importância para compreendermos que a destruição dos tecidos não é restrita ao trajeto do projétil. Na avaliação da vítima observa-se apenas a cavidade definitiva. 

Analisando o mecanismo de trauma é possível estimar o tamanho da cavidade no momento do impacto, assim como as demais lesões decorrentes.

O conhecimento e a apreciação do mecanismo de trauma permitem que o socorrista mantenha um elevado índice de suspeita para auxiliar na busca de lesões. As vítimas envolvidas em eventos de alta energia são propensas a possuir lesões graves, e 5% a 15% deles, apesar de sinais vitais normais e de não possuírem lesões corporais na primeira avaliação, evidenciam lesões graves em exames posteriores.

Os fatores que devem ser considerados são a direção e velocidade do impacto, tamanho do paciente e os sinais de liberação de energia (danos ao veículo). Existe uma forte correlação entre a severidade das lesões e as alterações da velocidade do veículo medidas pelos danos do carro. Sem a compreensão do mecanismo do trauma, não será possível predizer as lesões. O mecanismo de trauma é uma ferramenta importante de triagem. A severidade dos danos ao veículo é utilizada como um instrumento de triagem.

As lesões por movimento (mecânicas) são as principais causas de mortalidade por trauma. Sempre considerar a lesão potencial como presente até que esta seja afastada no ambiente hospitalar. Existem três mecanismos básicos de lesões por movimento:
• Desaceleração frontal rápida;
• Desaceleração vertical rápida;
• Penetração de projétil.

Na avaliação da cinemática do acidente, deve-se estar atento às três fases de evolução da vítima de trauma, a saber: (1) Pré-colisão; (2) Colisão e (3) Pós-colisão – vamos considerar a colisão não apenas em acidente automobilístico, mas também como a de qualquer objeto contra o corpo humano.

Pré-Colisão
A história do incidente traumatizante começa por dados como ingestão de álcool ou drogas, doenças preexistentes, condições climáticas e idade da vítima (por exemplo: as estruturas da criança são mais flexíveis do que de uma pessoa idosa).

Colisão
A segunda e talvez mais importante fase da anamnese do trauma é a da colisão, que começa quando um objeto colide com outro, provocando transmissão de energia entre eles. O segundo objeto pode estar em movimento ou estacionado, e qualquer dos objetos (ou ambos) pode ser um corpo humano.

Nesta fase, são considerações importantes para o atendimento:
• a direção em que ocorreu a variação de energia;
• a quantidade de energia transmitida e;
• a forma como as forças afetaram a vítima. Exemplos: altura da queda, calibre da arma, tamanho da lâmina, velocidade.

Pós-Colisão
As informações conseguidas nas fases anteriores são usadas para uma abordagem mais eficiente da vítima na fase pós-colisão, que se inicia tão logo a energia tenha sido absorvida pelo paciente. Os traumatismos podem ser classificados em fechados e penetrantes.

Traumatismo Fechados
O trauma fechado difere do penetrante no seguinte aspecto: o impacto se distribui em uma área mais extensa de maneira que a superfície do corpo não é penetrada. Ocorre uma cavidade temporária formada pela deformação dos tecidos que depois voltam à sua posição normal. 

Como no exemplo mostrado nesta figura, a superfície do corpo é atingida por um bastão, se deforma e depois volta ao normal. Não há penetração da pele pelo objeto. Nos traumatismos penetrantes o objeto que colide com o corpo vence a elasticidade dos tecidos e penetra no corpo.

As causas principais de trauma fechado são os impactos diretos de objetos em movimento e aceleração/desaceleração. Em colisões de veículos, o dano depende da energia cinética, da utilização de equipamentos de segurança tais como: cintos de segurança, banco com encosto, bolsas de ar.

As lesões corporais são mais frequentes em passageiros não contidos e ocorrem na cabeça, tórax, abdome e ossos longos. O dispositivo mais eficaz. É o cinto de segurança, que, apesar de causar compressão de órgãos durante colisões, impede que o corpo se choque com o painel e o para-brisa. As lesões por desaceleração são causadas principalmente por acidentes automobilísticos e quedas de grandes alturas. À medida que o corpo desacelera, os órgãos continuam a se mover com a mesma velocidade que apresentavam, rompendo vasos e tecidos nos pontos de fixação.



FONTE DE REFERÊNCIA
MTBRESG – MANUAL DE RESGATE E EMERGÊNCIAS MÉDICAS
Direitos Autorais: Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo.