A absorção de energia cinética proveniente do movimento é o componente fundamental na produção de lesões em acidentes automobilísticos. ...
A absorção de energia cinética proveniente do movimento é o componente fundamental na produção de lesões em acidentes automobilísticos. Para compreender melhor a dinâmica e os efeitos dessas colisões, é crucial analisar o processo em três eventos distintos e inter-relacionados, que juntos contribuem para a severidade das lesões.
A complexidade desses eventos de colisão e a interação entre eles destacam a importância de medidas de segurança abrangentes, tanto no design dos veículos quanto no uso adequado de dispositivos de retenção pelos ocupantes. A análise detalhada desses três eventos permite uma compreensão mais profunda das forças envolvidas e das estratégias para mitigar lesões em acidentes automobilísticos.
Você deve considerar as colisões de veículo como ocorrendo em três eventos distintos:
Colisão da Máquina - envolve a colisão inicial do veículo com um obstáculo, que pode ser outro veículo, um objeto fixo como uma árvore ou um poste, ou até mesmo uma barreira de segurança. Durante este evento, a energia cinética do veículo é bruscamente reduzida, resultando em uma deformação significativa da estrutura do veículo. Esta deformação absorve uma parte da energia, mas também gera forças que são transmitidas aos ocupantes. A severidade das lesões resultantes depende da velocidade de impacto, da rigidez do objeto colidido e da capacidade de absorção de energia do veículo.
Colisão do Corpo - os ocupantes do veículo, devido à inércia, continuam a se mover na mesma velocidade que o veículo estava antes da colisão, até que entram em contato com alguma parte do interior do veículo, como o painel, o volante, ou o para-brisa. A energia cinética dos ocupantes é então dissipada através desses impactos secundários. A eficácia dos sistemas de retenção, como cintos de segurança e airbags, é crucial neste estágio, pois sua função é distribuir as forças de impacto ao longo do corpo dos ocupantes e reduzir a probabilidade de lesões graves.
Colisão de Órgãos - ocorre a nível interno, quando os órgãos dos ocupantes colidem com a estrutura óssea ou outros órgãos dentro do corpo. Por exemplo, o cérebro pode colidir com o crânio, ou o coração pode ser comprimido contra o esterno. Este evento é particularmente perigoso, pois pode causar lesões internas severas que nem sempre são imediatamente visíveis. A desaceleração rápida e súbita do corpo causa uma transferência de energia que pode resultar em hemorragias internas, lacerações de órgãos e outras lesões traumáticas.
A energia cinética do movimento do veículo é absorvida à medida que ele é freado subitamente pelo impacto. O corpo do ocupante está viajando com a velocidade que o carro trafegava até que colida com alguma estrutura interna do carro como o pára-brisa, volante ou painel.
Ao examinar o carro colidido observamos as seguintes evidências de trauma da vítima:
- Deformidade do veículo (indicação das forças envolvidas);
- Deformidade de estruturas interiores (indicação de onde a vítima colidiu) e
- Padrões de lesão da vítima (indicação de quais partes do corpo podem ter colidido).
As colisões de veículos ocorrem em várias formas e cada uma delas é associada com certos padrões de lesão. As quatro formas comuns de acidentes com veículos automotores são:
a) Colisão frontal;
b) Colisão lateral;
c) Colisão traseira e;
d) Capotagem.
Colisão Frontal
Neste tipo de acidente, um corpo não contido é freado subitamente e a transferência de energia é capaz de produzir lesões múltiplas.
O ocupante “do banco” dianteiro direcionado para baixo: o passageiro não contido por cinto de segurança pode ser direcionado para baixo, e seu joelho ou tíbia colidem com o painel.
Se os pés estiverem fixos no piso, o tornozelo absorve grande parte da energia cinética, podendo se luxar ou fraturar. Quando o joelho é o ponto de impacto pode ocorrer fratura de fêmur e luxação posterior de quadril. No caso do ponto de impacto ser a tíbia ocorre dano aos ligamentos do joelho. Em seguida o tórax se choca contra o painel ou volante.
Após o tronco parar seu movimento, a cabeça continua até se chocar contra o pára- brisa, pode ocorrer traumatismo da cabeça e coluna cervical.
Ocupante do banco dianteiro direcionado para cima e para frente: em algumas colisões frontais o corpo do ocupante pode ser arremessado para cima e para frente, atingindo com a cabeça o pára-brisa sem nenhuma dissipação prévia de energia cinética.
Existem grandes probabilidades de traumatismos da cabeça e de coluna cervical. O impacto secundário é com o tórax e abdome.
Correlação entre lesões e partes internas do veículo
Lesões pelos pára-brisas: ocorrem nos tipos de evento por desaceleração frontal rápida, do ocupante, sem cinto colide fortemente com o pára-brisa. A possibilidade de lesões é maior sob estas condições.
Lembrando as três colisões separadas observe o seguinte:
- Colisão da máquina: deformidade da frente;
- Colisão do corpo: rachaduras do pára-brisa; e
- Colisão de órgãos: golpe/contragolpe do cérebro, lesão de partes moles (couro cabeludo, face, pescoço), hiperextensão da coluna cervical.
Lesões pelo volante: são mais frequentes no motorista de um veículo, sem cinto de segurança após uma colisão frontal. O motorista posteriormente pode colidir com o pára-brisa. O volante é a causa mais comum de lesões para o motorista sem cinto e qualquer grau de deformidade ao volante deve ser tratado com elevado índice de suspeita para lesões de face, pescoço, torácicas ou abdominais.
Utilizando o conceito das três colisões, verificar a presença do seguinte:
- Colisão da máquina: deformidade frontal.
- Colisão do corpo: fratura ou deformidade do anel, coluna normal / deslocada.
- Colisão dos órgãos: tatuagem traumática da pele.
- O volante é capaz de produzir lesões ocultas, devastadoras. A deformidade do volante é uma causa de preocupação.
Lesões pelo painel: ocorrem geralmente no passageiro não contido. O painel tem a capacidade de produzir uma variedade de lesões, dependendo da área do corpo que impacte com ele. Geralmente as lesões envolvem a face e os joelhos, porém vários tipos de lesões têm sido descritos.
Aplicando o conceito das três colisões:
- Colisão da máquina: deformidade do carro.
- Colisão do corpo: fratura ou deformidade do painel.
- Colisão dos órgãos: trauma facial, golpe/contragolpe no cérebro, hiperextensão flexão da coluna cervical, traumatismo de joelho.
A lesão de joelho pode representar que outros ferimentos estão presentes. Os joelhos frequentemente atingem o painel, causando desde uma simples contusão até uma fratura exposta da patela. A luxação franca dos joelhos pode ocorrer. A energia cinética pode ser transmitida para a coxa e resultar em fratura do fêmur ou quadril.
Às vezes a pelve pode colidir com o painel, resultando em fraturas. Estas lesões são associadas com hemorragia que pode levar ao choque. Sempre palpe o fêmur dos dois lados assim como a pelve e a sínfise púbica.
Outros fatores: objetos soltos no veículo como bagagem, livros e passageiros. Estes objetos podem se tornar mísseis mortais nos eventos por desaceleração rápida.
Colisão Lateral
Em cruzamentos ou derrapagens os impactos podem ser na lateral do veículo. A porta ou a lateral do veículo pode atingir o ocupante. O braço e o ombro tendem a ser atingidos em primeiro lugar, pode ocorrer fratura de úmero e de clavícula. Se o braço estiver fora do local de impacto e este atingir o tórax pode fraturar costelas e estruturas intratorácicas.
O abdome também sofre impacto, e as vísceras mais atingidas são o baço do motorista e o fígado do passageiro. O trocanter maior do fêmur pode ser atingido fazendo com que a cabeça do fêmur entre no acetábulo. As fraturas de ilíaco também são comuns.
Existe um grande risco de dano à coluna cervical, pois ocorre flexão lateral do pescoço e rotação da cabeça na direção oposta à do tronco.
Utilizando o conceito das três colisões, procurar pela presença de:
Colisão da máquina: deformidade primária do carro, verificar o lado do impacto (motorista / passageiro).
Colisão do corpo: grau de deformidade da porta (entortamento do descanso do braço, deformidade para fora ou para dentro da porta).
Colisão de órgãos: inclui múltiplas possibilidades.
Cabeça: golpe/contragolpe pelo desposicionamento lateral.
Pescoço: as lesões pelo desposicionamento lateral variam de estiramento muscular cervical a subluxação com déficit neurológico.
Lesões de membro superior e ombro do lado do impacto.
Tórax / abdome: lesão direta por desposicionamento da porta no lado do impacto ou pelo passageiro solto sendo lançado através do assento.
Pelve / pernas: ocupantes no lado do impacto são propensos a apresentar fraturas de pelve, quadril ou fêmur.
As lesões do tórax podem afetar tecidos moles, arcabouço ósseo com tórax instável, pulmões com contusão, pneumotórax ou hemotórax. Lesões abdominais incluem aquelas de órgãos sólidos ou ocos. Lesões pélvicas podem incluir fratura / luxação, ruptura da bexiga e lesões uretrais. As lesões da cintura escapular ou de extremidades inferiores são comuns dependendo do nível de força do impacto.
Colisão Traseira
As duas formas de colisão traseira são:
- Carro parado é atingido por outro veículo em movimento.
- Carro pode ser atingido na traseira por outro carro deslocando-se mais rápido na mesma direção, o aumento súbito da aceleração produz deslocamento posterior dos ocupantes e hiperextensão da coluna cervical se o descanso de cabeça não estiver propriamente ajustado. Pode também haver desaceleração frontal rápida se o carro colidir de frente com um objeto ou se o motorista frear subitamente.
O Socorrista deve observar deformidades anterior e posterior do auto, assim como do interior e posição do descanso de cabeça. pois existe um grande potencial para lesões de coluna cervical. Esteja alerta para lesões por desaceleração frontal associadas.
Capotagem
Durante a capotagem, o corpo pode sofrer impacto em qualquer direção, chocando-se com o pára-brisas, teto, laterais e assoalho do veículo. O potencial de lesões é grande. As lesões são um misto dos padrões anteriormente descritos. A possibilidade de lesões por compressão da coluna vertebral aumenta nesta forma de acidente.
O Socorrista deve estar alerta para indicadores de que o carro capotou (mossas, arranhões e deformidade das colunas da capota). Existem mais lesões letais nesta forma de acidente pois o ocupante tem mais chances de ser ejetado do veículo. O ocupante ejetado do carro tem 25 vezes mais chance de morrer do que os não ejetados.
FONTE DE REFERÊNCIA
MTBRESG – MANUAL DE RESGATE E EMERGÊNCIAS MÉDICAS
Direitos Autorais: Corpo de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo.